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OPINIÃO: VANDALIZAÇÃO DA PARÓQUIA SANTA ISABEL DE GABÚ

A vandalização da Paróquia Santa Isabel de Gabú, no passado dia 01 de Julho, (res)suscitou um debate em torno do divisionismo étnico e religioso promovido no espaço político da Guiné-Bissau: 1) há quem faça uma interpretação política do acontecimento; 2) há ainda quem considere que não se deve politizar o caso, sendo que algumas pessoas desta opinião prefiram aguardar pelas investigações do que se chama entre nós de “autoridades competentes” e consequente apuramento de responsabilidades; e 3) há quem procure olhar para o ocorrido na complexa dinâmica sociopolítica em que o país se encontra e tirar ilações que abordem as questões levantadas pelas opiniões em 1) e 2). Eu faço parte deste grupo e não quero dizer que esteja de acordo com tudo o que se diz sobre o assunto mesmo por opiniões próximas ao que digo a seguir.

Convém dizer, primeiro, que eu não espero nada de uma “autoridade competente” que há dois anos está para me dizer quem decapitou (e mandou decapitar) a CFM; quem tentou um golpe de estado há 4 meses; ou quem é que raptou e espancou até no quintal da Presidência da República. E vamos ao que interessa…

“Politização do vandalismo” ou “aproveitamento político contra o regime do Único Chefe”? Porquê?

Compreendo a “boa intenção” de muitos dos que pretendem evitar o debate nestes termos, em nome de evitar que os ânimos se exaltem e conduzam a confrontos religiosos na Guiné-Bissau, que ainda não existe entre nós, argumentam. Mas esta opinião recusa-se a abordar uma questão oportuna: o que motiva a politização e/ou aproveitamento político da vandalização da Paróquia? Uma resposta honesta a esta pergunta levar-nos-á a lembrar de que quem hoje é PR da Guiné-Bissau é o campeão entre actores políticos que não só discursam no sentido de promoção do divisionismo étnico e religioso, assim como as suas práticas o comprovam. Em 2017, ainda como Primeiro-ministro, já falava na lógica de a percentagem de fulas e muçulmanos serem suficientes para o fazerem de PR. Em 2019, durante toda a campanha eleitoral das últimas presidenciais, fartou-se de cantar “Ankala yidan hôremá” como forma de apelar ao voto de fulas.

Muitos dos que hoje fazem soar os alarmes no sentido de não politização da questão em debate não tinham qualquer opinião quando o mal era semeado. Mas hoje, surpreenda-se, são os que mais querem chamar atenção para o perigo que há nisso, quando ainda se calam perante práticas reitaradas do Único Chefe nesse sentido.  Porque será? Quando se dizia (e ainda há quem continue a dizer) que qualquer discurso ou prática política que visa dividir os guineenses em etnias e religiões deve ser combatido sem reservas, era para evitar, também, situações como as de interpretação política de actos que podem não o ser.

Há ainda quem se lembre de (re)colocar a questão de “quem será mais tribalista entre os principais actores políticos do país”, isto é, entre Único Chefe e DSP. A minha resposta é uma repetição: nenhum político é hoje comparável ao Sissoco nessa prática. Aliás, farto-me de dizer que seja a sua maior arma política, na ausência de visão sobre a resolução dos grandes problemas do país. No entanto, a prática não começou com ele, nem é o único a fazê-lo. Até entre os que dizem combatê-la, nomeadamente o PAIGC, recorrem a esta prática. A diferença é que, quando lhes convém, é “estratégia política” e não “tribalismo”, assim como o PRS se refugia na falsa “simpatia política” para justificar o seu balantismo político.

Quem quiser combater o divisionismo de todos os tipos entre os guineenses tem de fazê-lo sem reservas. Mas fazê-lo por conveniência só te faz diferente dos outros na estratégia de praticar o mesmo crime. Após as legislativas de 2019, vestido de PAIGC, Suzi Barbosa responsabilizava a população do Leste pelo facto do seu partido não ter obtido maioria absoluta por causa de “voto étnico e religioso”, esquecendo-se que o que houve foi só troca de partido dos mesmos candidatos que o PAIGC mandava para Leste. Na altura não era uma “estratégia política tribalista”? A mesma Suzi, logo a seguir, em 2019, pegava no microfone em Bafatá para dizer à sua gente de Leste que ela “também é fula porque é filha de uma fula e que estava com o DSP e o PAIGC”. Foi aplaudida, inclusive pela tribuna do PAIGC. São apenas alguns de muitos exemplos que todos conhecemos.

Portanto, se quisermos combater o tribalismo ou divisionismo étnico e religioso entre os guineenses, temos de ser exemplos nós mesmos:

– Nos nossos partidos, recusar o recurso a identidades étnicas e religiosas para angariar votos;

– Nas nossas igrejas, mesquitas e balobas, agir imediatamente contra qualquer pronunciamento que conduza à intolerância religiosa (falo disto porque sei, assim como qualquer guineense, que é uma prática comum nesses lugares);

– Nas nossas casas, com as nassas famílias e conhecidos;

– Mas, sim!, lembrar ao Único Chefe e seus partidários de que não nos esquecemos de “Ankala yidan hôremá”, nem do discurso de 2017 numa mesquita em Hamburgo, tão pouco de insultos ao Bispo de Bissau e outros líderes religiosos que não aceitam a sua estratégia criminosa de “dividir para melhor reinar”. E dizer-lhe que o ódio que anda a semear entre os guineenses já dá frutos.

E, lembrem-se sempre, os maiores problemas da Guiné-Bissau são: educação, saúde, emprego, etc. Estes problemas afectam-nos a todos, independentemente da religião ou etnia a que pertencemos. Querem-nos focados no que nos divide para não nos juntarmos na luta contra o que nos une: a miséria fabricada pelos nossos criminosos de sempre.

Da minha parte, não se trata de pretender “agradar aos gregos e troianos” – como se constuma insinuar por aí – até porque tanto os gregos como os troianos sabem que sou romano para eles. Trata-se de dizer a ambos que não me cansarei de estar vigilante perante a guerra que nos querem vender de forma distorcida.

Autor: Sumaila Jaló (Sumaila da Guiné)

Foto: RSM

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